Opinião

A energia solar que flutua

A combinação de energia gerada por hidrelétricas e por painéis fotovoltaicos encontra um campo bastante promissor no Brasil em razão dos grandes reservatórios de hidrelétricas

Atualizado em

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

* Com Natasha Trennepohl

O ano de 2019 foi bastante promissor para as usinas solares com painéis fotovoltaicos flutuantes. No Brasil, a primeira usina solar flutuante em lagos de hidrelétricas entrou em operação, instalada no reservatório de Sobradinho, na Bahia, com 3.792 placas solares numa área de 11.000 m2 e com capacidade de geração de 1 MWp.

O projeto piloto foi iniciado em 2016 na hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, como parte do P&D lançado pela Eletronorte e pela Chesf para a exploração de energia solar nos lagos de grandes hidrelétricas, visando o desenvolvimento de um sistema complementar de geração de energia.

A instalação dessas usinas flutuantes vem crescendo exponencialmente em vários países. De acordo com o Banco Mundial, no relatório “Where Sun Meets Water”, a capacidade instalada global dessa tecnologia, que em 2014 era de 10 MW, aumentou em mais de 100 vezes em quatro anos e, no final de 2018, já era de 1,1 GW. Ainda assim, é um número pequeno quando comparado com o potencial global de 400 GW estimado pelo Banco.

Vários projetos já estão em operação e em construção na Europa. A Holanda, inclusive, vem liderando as orientações para o licenciamento de parques solares flutuantes. Países como França, Portugal, Alemanha e Bélgica também possuem grande potencial e tem investido no desenvolvimento dessa tecnologia.

A combinação de energia gerada por hidrelétricas e por painéis fotovoltaicos encontra um campo bastante promissor por aqui em razão dos grandes reservatórios de hidrelétricas. Essa complementação entre fontes de geração pode ajudar a equilibrar a natureza variável da energia solar e a instabilidade causada por períodos de seca, no caso da geração hidrelétrica.

No Brasil, a disponibilidade de espaço para a instalação dessas estruturas fotovoltaicas é enorme. Somando a área, em sua cota mínima, de apenas 10 grandes reservatórios, como Porto Primavera, Itaipu, Lajeado e Furnas, temos aproximadamente 9.220 km2 de espelho d’água.

É certo que nem toda esta superfície poderia ser utilizada para a instalação de placas fotovoltaicas sobre flutuadores, tanto por limitações de engenharia quanto por implicações ambientais. Alguns desafios, como possíveis efeitos na qualidade da água, complexidade de ancoragem, operação e manutenção de alguns componentes, principalmente os elétricos, precisam ser bem avaliados. No entanto, se apenas 10% dessa área mencionada for aproveitada, pode-se inferir que o seu potencial de geração de energia seria muito maior do que a capacidade instalada atualmente no Brasil, que é de 2,4 GW.

Além disso, a utilização de reservatórios de hidrelétricas para a instalação de painéis fotovoltaicos flutuantes possui vantagens econômicas consideráveis, como a dispensa da aquisição de novas terras para a sua instalação, pois as áreas inundadas já foram indenizadas aos proprietários; o aproveitamento das mesmas subestações e linhas de transmissão que escoam a eletricidade gerada pelas hidrelétricas; e, ainda, a utilização de áreas já antropizadas pelo enchimento dos reservatórios, diminuindo significativamente os impactos ambientais.

No que se refere à legislação ambiental, a regulação de geração de energia solar a partir de painéis flutuantes ainda está em uma fase embrionária. Dentre os desafios regulatórios, ainda precisam ser desenvolvidas as regras específicas de licenciamento e os requisitos dos estudos de impacto ambiental, levando em consideração as peculiaridades desse tipo de empreendimento. Questões relacionadas ao regime de outorga pelo uso dos recursos hídricos, definição de tarifas e incentivos, avaliação de áreas adequadas e eventuais responsabilidades em caso de danos a terceiros. Os impactos ambientais e sociais, ainda precisam ser melhor analisados e discutidos.

Pensando na instalação desses painéis solares em lagos de hidrelétricas, perguntas frequentes giram em torno da autorização para operadores de usinas hidrelétricas na sua instalação, na possibilidade de concessão a terceiros para construção e operação, bem como nas regras para coordenar a disponibilização da eletricidade na rede quando proveniente da hidrelétrica ou dos painéis.

No Brasil, enquanto os pequenos empreendimentos de geração de energia solar, em geral dispensados de licenciamento ambiental, tem estado em evidência devido à consulta pública para a revisão da Resolução Normativa ANEEL 482/12, não se tem discutido muito sobre as normas ambientais para acompanhar a instalação de grandes parques de energia solar, principalmente os flutuantes.

O país não possui normas federais específicas para o licenciamento ambiental deste tipo de empreendimento. A competência geral para o licenciamento ambiental está definida na Lei Complementar 140/11. A repartição de atribuições ali estabelecida utiliza o critério da localização do empreendimento para identificar o órgão licenciador competente, ao invés de considerar a abrangência do impacto, como era anteriormente adotado. Portanto, com exceção dos empreendimentos cuja competência está expressamente estabelecida nos artigos 7o, XIV (União) e 9o, XIV (Municípios) dessa lei complementar, os demais devem ser licenciados pelos Estados. A princípio, apenas o licenciamento para o aproveitamento do espelho d’água do reservatório da UHE de Itaipu seria federal, por estar localizada na fronteira de dois países.

Empreendimentos com pequeno potencial poluidor, como usinas solares, eólicas e outras fontes alternativas de energia, podem ser enquadrados nos procedimentos simplificados de licenciamento, estabelecidos na Resolução CONAMA 279/01.

Essa Resolução determinou a utilização do Relatório Ambiental Simplificado (RAS) em qualquer nível de competência, desde que o empreendimento apresente pequeno impacto ambiental. Como ainda não se tem nenhuma referência normativa no Brasil sobre usinas flutuantes em reservatórios, o que vai determinar o tipo de estudo e o procedimento para o licenciamento é o entendimento dos órgãos ambientais quanto à dimensão do impacto sobre o meio ambiente.

Alguns Estados procuraram incentivar iniciativas para a geração de energia elétrica de fontes renováveis, inclusive solar.

No Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, a Lei 14.898/16 instituiu a Política Estadual de Incentivo ao Aproveitamento da Energia Solar. Essa política visa estimular investimentos e implantação dos sistemas de energia solar em empreendimentos públicos e particulares, incluindo residenciais, comunitários, comerciais e industriais, fomentando a geração de energia fotovoltaica.

Por sua vez, o Programa Gaúcho de Energias Renováveis, instituído pelo Decreto 53.160/16, determinou à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) que desse tratamento prioritário aos processos de licenciamento ambiental dos empreendimentos aprovados por este programa.

A FEPAM normatizou então, através da Portaria 089/18, o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fonte solar em superfícies terrestres. Dessa forma, estão dispensados do licenciamento a microgeração e a minigeração distribuída com potência instalada até 5 MW, enquanto o Relatório Ambiental Simplificado ­(RAS) precisa ser apresentado pelos demais empreendimentos, exceto aqueles com impactos significativos que precisam apresentar o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório (EIA/RIMA).

No Estado de São Paulo, a Resolução SMA 74/17, que dispõe sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos de energia solar, diferencia as exigências conforme a potência instalada. Para instalações menores ou iguais a 5 MW, somente é exigida a autorização para supressão de vegetação nativa ou para instalação em áreas de proteção de manancial. No caso de instalações maiores que 5 MW e menores ou iguais a 90 MW, exige-se o Estudo Ambiental Simplificado (EAS). Somente para o licenciamento prévio de plantas com potência instalada superior a 90 MW é exigido o Relatório Ambiental Preliminar (RAP).

No Estado do Ceará, os critérios estão estabelecidos na Resolução  6/18 do Conselho Estadual do Meio Ambiente (COEMA) que simplifica os procedimentos de licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica por fonte solar. A norma cearense classifica o porte das plantas fotovoltaicas conforme a sua área de instalação. É importante observar que o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório (EIA/RIMA) são exigidos para os empreendimentos solares de porte excepcional (acima de 450ha) e para aqueles localizados em áreas com grande importância ecológica, tais como dunas, mangues e áreas de ocorrência de espécies ameaçadas de extinção.

No Distrito Federal, em 2019 foi instituída a Política Distrital de Incentivo à Geração e ao Aproveitamento de Energia Solar, Eólica e de Biomassa e à Cogeração, destinada a racionalizar o consumo de energia elétrica e de outras fontes de energia.

Como visto, existem diversas normas tratando da geração de energia elétrica aproveitando o potencial solar disponível no Brasil. No entanto, a instalação de usinas fotovoltaicas flutuantes em grandes superfícies inundadas, como as represas de hidrelétricas, ainda não foi objeto de normatização específica, o que talvez esteja contribuindo para a timidez dos investimentos, internos e externos, nesta fonte de energia no país, ao contrário do que está ocorrendo em outros países.

Abstraídos os aspectos econômicos da geração de energia mediante a instalação de plantas flutuantes, em termos ambientais, este tipo de empreendimento potencializa o retorno dos custos ambientais decorrentes da supressão de vegetação para o enchimento dos reservatórios, devendo ser incentivado na definição das políticas públicas e de normas que garantam a segurança jurídica necessária para a sua implementação.

A isso chamamos de geração de energia sustentável.

 

  • Natascha Trennepohl é mestre em Direito Ambiental e doutoranda em Direito Ambiental Comparado, pela Universidade Humboldt, na Alemanha e autora das Obras: Manual de Direito Ambiental; Seguro Ambiental; Questões Comentadas-Direito Ambiental; e Infrações Ambientais: Comentários ao Decreto 6.514/08. A advogada, sócia da banca especializada em Direito Ambiental – Trennepohl Advogados, já trabalhou em diversos projetos de integração de fontes de energia renováveis no mercado europeu e atua na área de energia no Brasil.

Outros Artigos