Opinião

O investimento necessário na automação de redes

Realizar investimentos na automação das redes nos trará, no futuro, uma gigantesca agilidade para suportar transformações, assim como uma maior economia

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Temos acompanhado no Brasil um aumento da demanda por energia elétrica, mesmo durante o período de recessão pelo qual passamos recentemente. Segundo o relatório “Cenários de demanda para PNE 2050”, de dezembro de 2018, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), prevê-se que a demanda por energia no Brasil seja entre 1,63 a 2,15 vezes maior em 2050 com relação a 2016, e a participação da energia elétrica na nossa matriz energética suba de 17% em 2016 para 24% em 2050.

Em paralelo, conforme indica o relatório elaborado pela Det Norske Veritas (DNV), intitulado “Energy transition outlook 2018”, de setembro de 2018, a energia fotovoltaica terá um aumento muito expressivo na sua participação no suprimento dessa demanda, em comparação com outras fontes de geração de energia elétrica.

Para a América Latina especificamente, observa-se um incremento gradual na participação da energia fotovoltaica já a partir de 2020, chegando-se a 2030 com uma participação equivalente às fontes eólicas. Em 2040, a participação das fontes fotovoltaicas já será o dobro da participação das fontes eólicas; e, em 2050, teremos uma geração fotovoltaica equivalente à geração hidroelétrica, que hoje é nossa principal fonte de energia elétrica. Ao mesmo tempo, observa-se também uma previsão de aumento, em menor escala, mas igualmente significativo, na participação da energia eólica na matriz elétrica latino-americana.

Esse cenário aponta para três desafios principais na operação das redes de transmissão e distribuição de energia elétrica:

  • 1º) Estabilidade do sistema elétrico: o advento de parques de geração fotovoltaica, bem como o aumento da participação das plantas eólicas na matriz elétrica levarão a uma mudança de paradigma na operação das redes de transmissão e distribuição. Esses elementos que, no passado, simplesmente geravam distúrbios e não tinham nenhuma relevância para a estabilidade, deverão ser, cada vez mais, elementos ativos no suporte à estabilidade dessas redes elétricas.
  • 2º) Geração distribuída: esse aumento na geração da energia fotovoltaica se dará em parte por grandes parques de geração, mas principalmente por pequenas gerações distribuídas ao longo da rede. Cada vez mais, os consumidores terão uma geração fotovoltaica própria para suprir parte da sua demanda por energia (residências, condomínios, comércios, indústrias). Isso combinado com o advento e a futura viabilização de sistemas de armazenamento levará a um aumento significativo também da necessidade de se criar microrredes que operem conectadas ou desconectadas da rede principal de distribuição.
  • 3º) Confiabilidade no fornecimento: em conjunto com esses desafios, haverá sempre uma demanda crescente por confiabilidade nas redes elétricas, de modo que tenhamos cada vez menos clientes e por menos tempo afetados por falhas nessas redes. Isso se refletirá necessariamente em regulações cada vez mais exigentes.

Para fazer frente a esses desafios, é preciso um investimento robusto na automação das redes elétricas – não no futuro, na medida que esses desafios forem se mostrando presentes, mas hoje, de modo a preparar as redes para suportar essa transformação.

Podemos classificar esses investimentos necessários em cinco áreas:

  1. Equipamentos de proteção e controle de rede com capacidade de realizar funções mais complexas, realizar rotinas de automatismos distribuídas por meio da troca de informações entre equipamentos, e disponibilizar o máximo de dados e parâmetros da rede para controladores e softwares analíticos.
  2. Controladores e softwares de operação e controle mais modernos para realizar funções de supervisão, controle e automação com respostas mais rápidas, em segmentos específicos da rede (subestações, alimentadores de distribuição, microrredes), que chamamos de controle de fronteira.
  3. Softwares analíticos com capacidade de obter dados dos equipamentos de proteção e controle e dos controles de fronteira, e de trabalhar esses dados realizando análises, disponibilizando dados consolidados, relatórios, e tomando decisões em níveis mais globais da rede.
  4. Infraestrutura de redes de comunicações, para se tornarem mais rápidas, com maior capacidade, e mais estáveis, de modo a permitir a troca de informações rápida e eficiente dos equipamentos de proteção e controle entre si, e envio de dados ao controle de fronteira e software analíticos.
  5. Capacitação técnica de pessoas para atuar nas diversas frentes que surgirão para implementação desses sistemas.

Para estarmos preparados para manter e melhorar a estabilidade do sistema elétrico, as plantas de geração fotovoltaicas e eólicas deverão ser equipadas com controladores com capacidade de gerenciar a energia entregue no ponto de acoplamento da planta com a rede principal, no que denominamos controle de fronteira, já que essas plantas contribuirão cada vez mais para o controle de frequência e de tensão da rede. Esses controladores, em conjunto com o sistema de controle da planta como um todo, necessitarão ter respostas rápidas a distúrbios na rede, atuando de forma ativa na estabilização do sistema após algum distúrbio.

Para regulação da tensão na rede, essas plantas deverão ter a capacidade de gerar ou absorver a potência reativa demandada. Como os geradores por si só não terão capacidade de gerar ou absorver toda a potência reativa necessária, especialmente em algumas condições específicas de geração (pouco vento, pouca irradiação), será necessária a instalação de bancos de capacitores e reatores para realização desse controle. Também será necessário o uso de filtros ativos para um controle mais fino dessa potência reativa a ser gerada ou absorvida pela planta.

A ampliação de sistemas de geração conectados ao longo das redes de distribuição demandará a utilização de equipamentos de proteção e controle (especialmente religadores de distribuição), com funções mais complexas para atuar sobre problemas advindos dessa ampliação, como funções de frequência, tensão, desbalanço, etc., e com capacidade de automação e de troca de informações rápidas entre si, utilizando protocolos abertos, como IEC61850, que permita a troca de informações com equipamentos de diferentes fabricantes, para realização de automatismos distribuídos de resposta à demanda, descartes de carga e recomposição automática da rede.

Esses religadores deverão possuir também informações de históricos e qualidade de energia que permita a análise e tomada de decisão pelos softwares analíticos dos centros de operação. Igualmente, será verificada a necessidade de que os reguladores de tensão da rede possuam essa mesma capacidade de automação e comunicação, para realização das funções de otimização de tensão e potência reativa nas redes de distribuição. Esses automatismos distribuídos poderão ser complementados por funções no controle de fronteira dos alimentadores, que atuarão sobre um determinado conjunto de circuitos e sistemas.

Os softwares analíticos que obterão essa infinidade de dados de todos esses equipamentos de automação das redes deverão entregar, aos operadores e planejadores das redes, dados consolidados em relatórios claros e objetivos, que guiarão a operação, ampliação e manutenção dessas redes.

Outra consequência dessa descentralização da geração elétrica, como já mencionamos, será o progressivo aumento das microrredes com geração própria, que deverão ter a capacidade de ser conectadas e desconectadas da rede principal. O investimento feito na rede de distribuição com os equipamentos de proteção e controle, citados acima, permitirão a criação dessas microrredes de forma mais rápida e efetiva.

Essas microrredes demandarão controladores específicos para realizar o controle de fronteira (controle de demanda, conexão e desconexão da rede principal, etc.), bem como softwares analíticos próprios para realização da análise dos dados da microrrede, que possui uma dinâmica de operação e controle distinta de uma rede convencional.

Esse investimento realizado nas redes contribuirá diretamente para um aumento na confiabilidade do fornecimento da energia, com sistemas mais estáveis e com capacidade de isolamento de áreas com defeito e recomposição automática das demais áreas. Para que o número de usuários afetados por uma falha seja o menor possível, é necessário o seccionamento cada vez maior da rede, de modo que os religadores deverão ter a capacidade de atender essa maior seccionalização das redes, algo que não é possível com tecnologias usuais das funções de proteção de tempo/corrente.

Infelizmente, ainda vemos uma mentalidade dominante de se investir para resolver um problema. Por exemplo, existe um problema de interrupção de fornecimento; então, compram-se equipamentos de proteção da rede com custo mais baixo para resolver esse problema imediato. Daqui um tempo, quando os desafios mencionados acima se fizerem presentes, será preciso todo um novo investimento para suprir essas necessidades.

Realizar, hoje, esse investimento na automação das redes nos trará, no futuro, uma gigantesca agilidade para suportar essa transformação, assim como uma maior economia, pois não será necessário um novo investimento para atendimento a essas demandas.

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