Opinião

Qual a ambição do Brasil em energia solar fotovoltaica?

O aumento da demanda nacional por sistemas fotovoltaicos, em grande parte atendida por importação, cria oportunidade de desenvolver nova indústria local. Surge então uma questão essencial para o futuro: ser mero consumidor de equipamentos e de tecnologia ou transformar-se em produtor, exportador e desenvolvedor de bens e tecnologia local, com visão global?

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Em 2017, o Brasil atingiu o seu primeiro gigawatt instalado na fonte solar fotovoltaica. Um gigantesco salto em relação a 2016 (menos de 0,1 GW), porém algo ainda pouco representativo na matriz elétrica brasileira (superior a 160 GW) e diante da geração solar de outros países (a China sozinha instalou 53 GW em 2017).

O aumento exponencial da demanda nacional por sistemas fotovoltaicos desde 2015, em grande parte atendida por importação, cria oportunidade de desenvolver nova indústria local, com valor agregado, empregos qualificados e capacidade exportadora.

Surge então uma questão essencial para o futuro: ser mero consumidor de equipamentos e de tecnologia ou transformar-se em produtor, exportador e desenvolvedor de bens e tecnologia local, com visão global? Esses caminhos são complementares e não excludentes, vale ressaltar.

Para avançar no tema, vamos abordar brevemente os instrumentos de apoio ao setor, bem como analisar os dados de importação e a competitividade local perante outros fornecedores, com foco inicial nos módulos fotovoltaicos, principal componente do sistema fotovoltaico.

A partir de 2014, a energia solar fotovoltaica entrou no radar energético brasileiro, tanto na geração centralizada (leilões) como na distribuída (o consumidor gera sua própria energia).

Pelo lado da demanda, os leilões de energia já realizados e os que virão podem gerar um mercado de pelo menos 4 GW até 2022 e 12 GW instalados até 2026. Estímulos tributários federais e estaduais e financiamento mais competitivo, somados às altas tarifas de energia, ampliaram significativamente o número de conexões residenciais, comerciais e industriais com sistemas fotovoltaicos. Em 2015, havia  menos de 2 mil unidades consumidoras; em janeiro de 2018, havia mais de 21 mil e quase 200 MW instalados. O potencial aqui é igualmente elevado, pois existem mais de 80 milhões de unidades consumidoras de energia no País.

No fomento aos investimentos, o BNDES lançou em 2014 um plano específico semelhante ao criado para energia eólica em 2012, estabelecendo as contrapartidas de agregação de valor local para obtenção de financiamento. Aperfeiçoado em meados de 2017, foi o ponto de partida para o processo de criação de uma indústria local de grande porte.

Em 2015, o governo concedeu um ‘ex-tarifário’, benefício fiscal para reduzir a alíquota do imposto de importação de 10% para 2% para a célula fotovoltaica, principal insumo do módulo fotovoltaico (em meados de 2017, a alíquota foi reduzida para 0%), o que contribuiu decisivamente para a vinda das primeiras indústrias de larga escala no País, com capacidade anual de produção acima de 150 MW de módulos. Algumas delas, de origem chinesa, têm tecnologia de ponta em equipamentos e são tão ou mais produtivas que suas similares na própria China ou em outros países asiáticos.

A maior demanda por equipamentos gerou aumentos substanciais na importação brasileira de células fotovoltaicas não montadas (insumo) e montadas (em módulos ou painéis). O mercado brasileiro foi descoberto.

A importação de módulos fotovoltaicos prontos cresceu de US$ 42,7 milhões em 2015 para US$ 349,70 milhões em 2017 (+720%). A China respondeu por cerca de 90% desse total. Em unidades, a variação foi ainda maior: de 318,5 mil para quase 4 milhões no mesmo período (+1.150%). A diferença na variação refletiu a forte queda dos preços da energia solar fotovoltaica no mundo (superior a 30%). Considerando um preço estimado de US$ 0,35/W, estima-se que o Brasil importou 1.000 MW (1 GW) apenas em 2017.

A Tabela 1 / O Gráfico 1 abaixo ilustra melhor esse comportamento:

Importações de Módulos Fotovoltaicos – 2015/2017
2015 2016 2017
US$ FOB (em milhões) 42,7 255,7 349,7
Quantidade (em milhares) 318,5 1.900,70 3.984,62
Preço médio (US$/Qtd) 134,1 134,5 87,76
   
∆ – US$ 498,90% 36,80%
∆ – Quantidade 496,90% 109,60%
∆ – Preço médio 0,30% -34,80%
Fonte: MDIC

Com os primeiros incentivos à indústria, o País começou a montar os módulos fotovoltaicos em maior escala. De 2015 a 2017, o valor das células importadas avançou 147 vezes: de apenas US$ 1,038 milhão para US$ 152,8 milhões. Em quantidade, o aumento também impressiona: de 636 mil para 116,1 milhões (182 vezes). E a China foi a origem de quase 100% das aquisições.

A Tabela 2 / O Gráfico 2 a seguir demonstra essa evolução:

Importações de Células Fotovoltaicas – 2015/2017
2015 2016 2017
US$ FOB (em milhares) 1.038,80 12.859,80 152.762,55
Quantidade (em milhares) 635,9 8.829,80 116.119,86
Preço médio (US$/Qtd) 1,63 1,46 1,32
   
∆ – US$ 1137,90% 1087,90%
∆ – Quantidade 1288,40% 1215,10%
∆ – Preço médio -10,80% -9,70%
Fonte: MDIC

Contudo, permanece pendente desde 2015 uma solução para as distorções tributárias existentes para quem deseja montar os módulos no Brasil e, posteriormente, exportar e agregar mais valor com manufatura local dos principais componentes (células fotovoltaicas, os vidros especiais, entre outros)

A incipiente indústria fotovoltaica local convive ainda com um cenário tributário adverso: alta carga (cerca de 40%) nos insumos e componentes para a montagem do módulo fotovoltaico. Como o produto final possui diversos incentivos na venda (isenções ou reduções a 0% de PIS/COFINS e de ICMS, além de o IPI já ser 0%), há acúmulo de créditos fiscais. Por serem de difícil recuperação na cadeia, transformam-se em custo e prejudicam a competitividade perante o concorrente importado.

A isonomia tributária pretendida é urgente e poderia ser implementada por diversos meios, não excludentes. Um ajuste no Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays (PADIS) – por meio de decreto – é debatido há mais de três anos, porém ainda não houve a decisão final para inclusão dos principais insumos na desoneração do programa, o qual tem ínfimo impacto fiscal.

Em agosto de 2015, um projeto de lei aprovado no Congresso Nacional foi convertido na Lei 13.159, todavia esta não foi sancionada integralmente pela Presidência da República. Os vetos e as justificativas foram no mínimo questionáveis. Perdeu-se uma janela para atrair grandes investimentos industriais em módulos fotovoltaicos no País. Uma lei específica para desonerar os principais insumos por determinado tempo, em sintonia com o programa atual do BNDES, poderia ser outro caminho.

O aperfeiçoamento do PADIS ou um ajuste tributário alternativo, medidas mais paliativas que estruturantes, seriam sinalizações importantes de curto prazo tanto para os investidores em parques solares – em especial os de geração centralizada –, como para os fabricantes de células e módulos fotovoltaicos.

Uma política ambiciosa e de longo prazo para o setor de energia fotovoltaica é vital, combinando instrumentos já citados (criação de mercado, tributação e financiamento) com outros também relevantes, como certificações de conformidade e eficiência e investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação (este já presente no PADIS como uma das contrapartidas aos incentivos).

Na indústria fotovoltaica, larga escala e custos reduzidos são requisitos-chave. Ambos só ocorrerão no Brasil se houver um ambiente de negócios mais favorável e competitivo para a indústria, o que não significa penalizar o produto importado. Este, ao contrário, já conta com um cenário favorável, na medida em que diversos tributos são ou podem ser zerados na importação, e o imposto de importação é relativamente baixo (12%). Há espaço para todos, portanto.

O Brasil tem um potencial inesgotável de gerar energia a partir do sol, mas só agora começa a aproveitá-lo. Possui recursos naturais em abundância e detém a tecnologia de filmes fotovoltaicos orgânicos. Ou seja, pode e deve pensar em ampliar essa cadeia produtiva e gerar inovações e tecnologias – uso do grafeno, por exemplo.

Viabilizar a indústria local de energia solar fotovoltaica de modo sustentável e competitivo deveria ser uma das prioridades governamentais. Em custos ou escala, é praticamente impossível superar a China, maior parceiro comercial brasileiro há alguns anos e praticamente o único nessa nascente indústria. O fluxo comercial único pode ser redirecionado para uma parceria de investimentos produtivos de longo prazo (chineses e também de outros países), com capacidade de atuação global, desenvolvimento tecnológico, empregos de qualidade. Tudo isso trará substancial arrecadação fiscal na economia, para alegria da equipe econômica.

O governo atual poderia ser mais ousado e impulsionar de vez essa indústria e lançar o Brasil no rol dos países mais relevantes em energia solar. Ao próximo governo caberá a tarefa primordial de gerar riqueza após um período de profunda recessão econômica. A energia renovável, de modo mais amplo, e o setor fotovoltaico, em particular, podem contribuir bastante para atingir tal objetivo.

Não há fórmula mágica. É necessário ter visão estratégica, maior planejamento e coordenação governamentais na elaboração, implementação e monitoramento da política pública, participação do setor privado e ação rápida para se posicionar e transformar as imensas oportunidades em negócios efetivos e prosperidade para o Brasil.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do MDIC ou da Revista Brasil Energia.

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